.

domingo, maio 25, 2014

Dolorosamente Evidente na Face de cada Animal - Cachorros.


Dolorosamente Evidente na Face de cada Animal - Cachorros:  “Não há fuga conveniente da culpa associada ao que  ocorre dentro de um matadouro, como no caso dos bebês focas no Ártico. Enquanto é fácil para a maioria de nós evitar comprar objetos para os quais as focas foram mortas — assim incorrendo na culpa pelas suas mortes — a maioria das pessoas voluntariamente (e impensadamente) come a carne de um tipo de animal ou outro cuja vida foi encerrada entre as paredes de um matadouro.”
Quando sugeriram que eu visitasse um matadouro para que observasse em primeira mão as infrações aos direitos dos animais, fui muito cético. A razão de meu ceticismo foi que eu pensava que um matadouro não apresentava um exemplo de crueldade distante o suficiente de nossa vida diária para ser pungente ou relevante em uma discussão sobre direitos dos animais. Sentia que deveria escrever  algo um pouco mais exótico ou considerado cruel ou imoral, como a matança de bebês focas. Estava terrivelmente enganado. O fato do que acontece em  um matadouro ser causado pela demanda que a vasta maioria da população exige da carne de outros seres vivos torna tudo ainda mais pungente e  relevante.

Quando saía de meu carro no estacionamento de uma fábrica de empacotamento, a combinação de sons e odores que vinham da construção metálica me fez  questionar se aquilo era algo que eu realmente  queria conhecer. A primeira coisa que me despertou os sentidos foi o barulho do gado — não o mugido bucólico e agradável que se pode ouvir em uma estrada rural próxima a uma fazenda, mas um mugido rápido e frenético. Era uma espécie de mugido que ouvi certa vez durante um fim de semana na fazenda leiteira de meu tio, quando uma das vacas foi atacada por cães vadios. Fora o barulho, a liberação de adrenalina no seu corpo fazia que a vaca respirasse tão rapidamente que chegava a ter dificuldade.

Naquele momento no estacionamento, podia sentir o desconforto no som das vacas, mas depois descobri que cada uma que aguardava no corredor que levava ao “estábulo da matança” estava sofrendo dos mesmos sintomas de terror que testemunhei na fazenda de meu tio.

A segunda coisa que notei também foi outro som. Enquanto andava na direção do prédio, ouvia um chiado estranho que somente poderia ser de uma serra cortando ossos ainda envoltos em carne. Neste ponto descobri que não estava preparado para o que iria experimentar. Este sentimento foi se intensificando ao ponto de náuseas quando, enquanto me aproximava, senti pela primeira vez a combinação de odores que permaneceria durante as próximas horas: o cheiro enjoado e nojento de carne recém-abatida ainda quente da vida tão recentemente removida; o cheiro não enjoado, mas nauseante da fervura de lingüiças e salsichas e o frio ranger da carne sendo pendurada, carcaça após carcaça, fileira após fileira, na área de refrigeração. Minha imaginação havia me preparado para a experiência visual, mas eu estava completamente despreparado para o cheiro quase insuportável que permeava inteiramente a fábrica.

Depois de breves “amabilidades” com Jerry, o gerente de produção da fábrica, foi-me permitido prosseguir pela fábrica sem guias e no meu próprio passo.  Comecei a visita “onde tudo começa”, como Jerry colocou, na “área de matança”.
Entrei na área de matança através de um corredor curto, parecido com um túnel, através do qual eu podia ver o que logo saberia ser a terceira estação de açougue.

A área de matança consistia de uma sala na qual um número de operações era executada por um ou dois entre seis açougueiros em quatro estações ao longo da extensão da sala. Na área de matança havia também um inspetor do departamento de agricultura americano (USDA) que examinava as partes de cada animal que passava.

A primeira estação é a estação de abate. Nela trabalha um único homem cujo trabalho é guiar o animal até o estábulo de abate, matá-lo e começar o processo de açougue. Este estágio do processo leva cerca de dez minutos para cada animal e começa com a abertura de uma pesada porta de aço que separa o estábulo de abate da área de espera.

O homem que trabalha nesta estação deve entrar em um corredor adjacente ao pátio de espera e conduzir sua próxima vítima na área de matança com uma vara elétrica de alta-tensão. Esta é parte que demora mais tempo da operação pois o gado tem  plena consciência do que os espera à frente e está determinado a não entrar na área de matança. Os sintomas físicos de terror são dolorosamente  evidentes nas faces de cada animal que vi, tanto na área de matança quanto na área de espera.

Durante cerca de 40 segundos a um minuto que cada animal fica esperando na área de matança antes de perder a consciência, o terror se torna visivelmente mais intenso. O animal podia cheirar o sangue e ver seus companheiros em vários estágios de desmembramento. Durante os poucos últimos segundos de vida, o animal desaba na área restrita do estábulo. Todas as quatro vacas cuja morte eu presenciei pulavam freneticamente, futilmente e pateticamente para o alto — a única direção que não estava bloqueada por uma porta de aço. A morte vem sob a forma de uma vara pneumática que é colocada contra a cabeça e disparada.
A pistola é projetada de modo que a haste jamais sai completamente, ela simplesmente vara a cabeça do animal e depois é puxada pelo açougueiro enquanto o animal desmaia. Vi isso sendo usado três ou quatro vezes, fazia o seu trabalho de primeira, mas uma vaca se debateu bastante até desmaiar. Depois que o animal desmaia, a lateral  do estábulo de abate é levantada e uma corrente é colocada na pata direita. A vaca é então içada por  essa perna e fica pendurada.

Neste ponto, o açougueiro drena o sangue do corpo fazendo um corte no pescoço da vaca. Quando as artérias são cortadas há uma corrente impressionante de sangue de modo que o açougueiro não consegue se afastar rapidamente e não consegue evitar levar um banho. Esta corrente de sangue quente dura cerca de 15 segundos, após a qual a única tarefa deixada pelo homem na primeira estação é esfolar o couro e remover a cabeça do animal.

Na segunda estação na área de matança, o animal sem cabeça é jogado no chão. O corpo é cortado na traseira, estripado e, se for fêmea, o saco de leite e as tetas são removidas. Neste momento, toda a urina e as fezes que não foram drenadas do corpo durante os primeiros segundos de morte correm soltos pelo chão. O corpo é então cortado até o meio e a pele afastada parcialmente. Uma corda é amarrada nas pernas traseiras, o corpo é levantado e o resto é puxado através de roldanas presas no chão, removendo a pele por inteira. O corpo do animal entra então na terceira estação da área de matança para ser retalhado e cortado na metade – tornando-se duas “metades de bife”.

As metades de bife são lavadas e pesadas na quarta e última estação de matança.  Elas são colocadas então num armário de refrigeração onde o calor restante da vida  lentamente se esvai antes de prosseguir para o freezer de super congelamento. Do armário de refrigeração, a carne prossegue para a área de armazenamento principal onde fica por até uma semana. Este armário tem uma saída para a área de açougue onde as laterais de carne são reduzidas em partes para serem enviadas aos supermercados e, posteriormente, chegarem até as mesas de refeição.

A parada final em meu ‘tour’ foi a fábrica de salsichas e lingüiças. Sempre dizem que se alguém pudesse ver o que tem dentro de uma salsicha jamais comeria uma novamente. Bem, esse ditado se aplica dez vezes mais à produção de lingüiça. O cheiro mais violentamente nauseante que jamais senti foi o que vinha dos tanques de fervura da carne para lingüiça.

Quando saía do complexo, estava envergonhado quanto ao meu ceticismo anterior e encorajo a qualquer um que tenha dúvidas como as que eu tinha, que faça uma visita a um matadouro ou passe um dia em uma fazenda fábrica. Creio que tenha ficado claro que deve existir uma forma melhor de nos alimentarmos e que é nossa missão, como seres capazes moralmente, perseguir formas alternativas.

Sintomas de Terror - Cachorros.


Sintomas de Terror - Cachorros:  “Não há fuga conveniente da culpa associada ao que  ocorre dentro de um matadouro, como no caso dos bebês focas no Ártico. Enquanto é fácil para a maioria de nós evitar comprar objetos para os quais as focas foram mortas — assim incorrendo na culpa pelas suas mortes — a maioria das pessoas voluntariamente (e impensadamente) come a carne de um tipo de animal ou outro cuja vida foi encerrada entre as paredes de um matadouro.”
Quando sugeriram que eu visitasse um matadouro para que observasse em primeira mão as infrações aos direitos dos animais, fui muito cético. A razão de meu ceticismo foi que eu pensava que um matadouro não apresentava um exemplo de crueldade distante o suficiente de nossa vida diária para ser pungente ou relevante em uma discussão sobre direitos dos animais. Sentia que deveria escrever  algo um pouco mais exótico ou considerado cruel ou imoral, como a matança de bebês focas. Estava terrivelmente enganado. O fato do que acontece em  um matadouro ser causado pela demanda que a vasta maioria da população exige da carne de outros seres vivos torna tudo ainda mais pungente e  relevante.

Quando saía de meu carro no estacionamento de uma fábrica de empacotamento, a combinação de sons e odores que vinham da construção metálica me fez  questionar se aquilo era algo que eu realmente  queria conhecer. A primeira coisa que me despertou os sentidos foi o barulho do gado — não o mugido bucólico e agradável que se pode ouvir em uma estrada rural próxima a uma fazenda, mas um mugido rápido e frenético. Era uma espécie de mugido que ouvi certa vez durante um fim de semana na fazenda leiteira de meu tio, quando uma das vacas foi atacada por cães vadios. Fora o barulho, a liberação de adrenalina no seu corpo fazia que a vaca respirasse tão rapidamente que chegava a ter dificuldade.

Naquele momento no estacionamento, podia sentir o desconforto no som das vacas, mas depois descobri que cada uma que aguardava no corredor que levava ao “estábulo da matança” estava sofrendo dos mesmos sintomas de terror que testemunhei na fazenda de meu tio.

A segunda coisa que notei também foi outro som. Enquanto andava na direção do prédio, ouvia um chiado estranho que somente poderia ser de uma serra cortando ossos ainda envoltos em carne. Neste ponto descobri que não estava preparado para o que iria experimentar. Este sentimento foi se intensificando ao ponto de náuseas quando, enquanto me aproximava, senti pela primeira vez a combinação de odores que permaneceria durante as próximas horas: o cheiro enjoado e nojento de carne recém-abatida ainda quente da vida tão recentemente removida; o cheiro não enjoado, mas nauseante da fervura de lingüiças e salsichas e o frio ranger da carne sendo pendurada, carcaça após carcaça, fileira após fileira, na área de refrigeração. Minha imaginação havia me preparado para a experiência visual, mas eu estava completamente despreparado para o cheiro quase insuportável que permeava inteiramente a fábrica.

Depois de breves “amabilidades” com Jerry, o gerente de produção da fábrica, foi-me permitido prosseguir pela fábrica sem guias e no meu próprio passo.  Comecei a visita “onde tudo começa”, como Jerry colocou, na “área de matança”.
Entrei na área de matança através de um corredor curto, parecido com um túnel, através do qual eu podia ver o que logo saberia ser a terceira estação de açougue.

A área de matança consistia de uma sala na qual um número de operações era executada por um ou dois entre seis açougueiros em quatro estações ao longo da extensão da sala. Na área de matança havia também um inspetor do departamento de agricultura americano (USDA) que examinava as partes de cada animal que passava.

A primeira estação é a estação de abate. Nela trabalha um único homem cujo trabalho é guiar o animal até o estábulo de abate, matá-lo e começar o processo de açougue. Este estágio do processo leva cerca de dez minutos para cada animal e começa com a abertura de uma pesada porta de aço que separa o estábulo de abate da área de espera.

O homem que trabalha nesta estação deve entrar em um corredor adjacente ao pátio de espera e conduzir sua próxima vítima na área de matança com uma vara elétrica de alta-tensão. Esta é parte que demora mais tempo da operação pois o gado tem  plena consciência do que os espera à frente e está determinado a não entrar na área de matança. Os sintomas físicos de terror são dolorosamente  evidentes nas faces de cada animal que vi, tanto na área de matança quanto na área de espera.

Durante cerca de 40 segundos a um minuto que cada animal fica esperando na área de matança antes de perder a consciência, o terror se torna visivelmente mais intenso. O animal podia cheirar o sangue e ver seus companheiros em vários estágios de desmembramento. Durante os poucos últimos segundos de vida, o animal desaba na área restrita do estábulo. Todas as quatro vacas cuja morte eu presenciei pulavam freneticamente, futilmente e pateticamente para o alto — a única direção que não estava bloqueada por uma porta de aço. A morte vem sob a forma de uma vara pneumática que é colocada contra a cabeça e disparada.
A pistola é projetada de modo que a haste jamais sai completamente, ela simplesmente vara a cabeça do animal e depois é puxada pelo açougueiro enquanto o animal desmaia. Vi isso sendo usado três ou quatro vezes, fazia o seu trabalho de primeira, mas uma vaca se debateu bastante até desmaiar. Depois que o animal desmaia, a lateral  do estábulo de abate é levantada e uma corrente é colocada na pata direita. A vaca é então içada por  essa perna e fica pendurada.

Neste ponto, o açougueiro drena o sangue do corpo fazendo um corte no pescoço da vaca. Quando as artérias são cortadas há uma corrente impressionante de sangue de modo que o açougueiro não consegue se afastar rapidamente e não consegue evitar levar um banho. Esta corrente de sangue quente dura cerca de 15 segundos, após a qual a única tarefa deixada pelo homem na primeira estação é esfolar o couro e remover a cabeça do animal.

Na segunda estação na área de matança, o animal sem cabeça é jogado no chão. O corpo é cortado na traseira, estripado e, se for fêmea, o saco de leite e as tetas são removidas. Neste momento, toda a urina e as fezes que não foram drenadas do corpo durante os primeiros segundos de morte correm soltos pelo chão. O corpo é então cortado até o meio e a pele afastada parcialmente. Uma corda é amarrada nas pernas traseiras, o corpo é levantado e o resto é puxado através de roldanas presas no chão, removendo a pele por inteira. O corpo do animal entra então na terceira estação da área de matança para ser retalhado e cortado na metade – tornando-se duas “metades de bife”.

As metades de bife são lavadas e pesadas na quarta e última estação de matança.  Elas são colocadas então num armário de refrigeração onde o calor restante da vida  lentamente se esvai antes de prosseguir para o freezer de super congelamento. Do armário de refrigeração, a carne prossegue para a área de armazenamento principal onde fica por até uma semana. Este armário tem uma saída para a área de açougue onde as laterais de carne são reduzidas em partes para serem enviadas aos supermercados e, posteriormente, chegarem até as mesas de refeição.

A parada final em meu ‘tour’ foi a fábrica de salsichas e lingüiças. Sempre dizem que se alguém pudesse ver o que tem dentro de uma salsicha jamais comeria uma novamente. Bem, esse ditado se aplica dez vezes mais à produção de lingüiça. O cheiro mais violentamente nauseante que jamais senti foi o que vinha dos tanques de fervura da carne para lingüiça.

Quando saía do complexo, estava envergonhado quanto ao meu ceticismo anterior e encorajo a qualquer um que tenha dúvidas como as que eu tinha, que faça uma visita a um matadouro ou passe um dia em uma fazenda fábrica. Creio que tenha ficado claro que deve existir uma forma melhor de nos alimentarmos e que é nossa missão, como seres capazes moralmente, perseguir formas alternativas.

Dentro de um Matadouro - Cachorros.


Dentro de um Matadouro - Cachorros:  “Não há fuga conveniente da culpa associada ao que  ocorre dentro de um matadouro, como no caso dos bebês focas no Ártico. Enquanto é fácil para a maioria de nós evitar comprar objetos para os quais as focas foram mortas — assim incorrendo na culpa pelas suas mortes — a maioria das pessoas voluntariamente (e impensadamente) come a carne de um tipo de animal ou outro cuja vida foi encerrada entre as paredes de um matadouro.”
Quando sugeriram que eu visitasse um matadouro para que observasse em primeira mão as infrações aos direitos dos animais, fui muito cético. A razão de meu ceticismo foi que eu pensava que um matadouro não apresentava um exemplo de crueldade distante o suficiente de nossa vida diária para ser pungente ou relevante em uma discussão sobre direitos dos animais. Sentia que deveria escrever  algo um pouco mais exótico ou considerado cruel ou imoral, como a matança de bebês focas. Estava terrivelmente enganado. O fato do que acontece em  um matadouro ser causado pela demanda que a vasta maioria da população exige da carne de outros seres vivos torna tudo ainda mais pungente e  relevante.

Quando saía de meu carro no estacionamento de uma fábrica de empacotamento, a combinação de sons e odores que vinham da construção metálica me fez  questionar se aquilo era algo que eu realmente  queria conhecer. A primeira coisa que me despertou os sentidos foi o barulho do gado — não o mugido bucólico e agradável que se pode ouvir em uma estrada rural próxima a uma fazenda, mas um mugido rápido e frenético. Era uma espécie de mugido que ouvi certa vez durante um fim de semana na fazenda leiteira de meu tio, quando uma das vacas foi atacada por cães vadios. Fora o barulho, a liberação de adrenalina no seu corpo fazia que a vaca respirasse tão rapidamente que chegava a ter dificuldade.

Naquele momento no estacionamento, podia sentir o desconforto no som das vacas, mas depois descobri que cada uma que aguardava no corredor que levava ao “estábulo da matança” estava sofrendo dos mesmos sintomas de terror que testemunhei na fazenda de meu tio.

A segunda coisa que notei também foi outro som. Enquanto andava na direção do prédio, ouvia um chiado estranho que somente poderia ser de uma serra cortando ossos ainda envoltos em carne. Neste ponto descobri que não estava preparado para o que iria experimentar. Este sentimento foi se intensificando ao ponto de náuseas quando, enquanto me aproximava, senti pela primeira vez a combinação de odores que permaneceria durante as próximas horas: o cheiro enjoado e nojento de carne recém-abatida ainda quente da vida tão recentemente removida; o cheiro não enjoado, mas nauseante da fervura de lingüiças e salsichas e o frio ranger da carne sendo pendurada, carcaça após carcaça, fileira após fileira, na área de refrigeração. Minha imaginação havia me preparado para a experiência visual, mas eu estava completamente despreparado para o cheiro quase insuportável que permeava inteiramente a fábrica.

Depois de breves “amabilidades” com Jerry, o gerente de produção da fábrica, foi-me permitido prosseguir pela fábrica sem guias e no meu próprio passo.  Comecei a visita “onde tudo começa”, como Jerry colocou, na “área de matança”.
Entrei na área de matança através de um corredor curto, parecido com um túnel, através do qual eu podia ver o que logo saberia ser a terceira estação de açougue.

A área de matança consistia de uma sala na qual um número de operações era executada por um ou dois entre seis açougueiros em quatro estações ao longo da extensão da sala. Na área de matança havia também um inspetor do departamento de agricultura americano (USDA) que examinava as partes de cada animal que passava.

A primeira estação é a estação de abate. Nela trabalha um único homem cujo trabalho é guiar o animal até o estábulo de abate, matá-lo e começar o processo de açougue. Este estágio do processo leva cerca de dez minutos para cada animal e começa com a abertura de uma pesada porta de aço que separa o estábulo de abate da área de espera.

O homem que trabalha nesta estação deve entrar em um corredor adjacente ao pátio de espera e conduzir sua próxima vítima na área de matança com uma vara elétrica de alta-tensão. Esta é parte que demora mais tempo da operação pois o gado tem  plena consciência do que os espera à frente e está determinado a não entrar na área de matança. Os sintomas físicos de terror são dolorosamente  evidentes nas faces de cada animal que vi, tanto na área de matança quanto na área de espera.

Durante cerca de 40 segundos a um minuto que cada animal fica esperando na área de matança antes de perder a consciência, o terror se torna visivelmente mais intenso. O animal podia cheirar o sangue e ver seus companheiros em vários estágios de desmembramento. Durante os poucos últimos segundos de vida, o animal desaba na área restrita do estábulo. Todas as quatro vacas cuja morte eu presenciei pulavam freneticamente, futilmente e pateticamente para o alto — a única direção que não estava bloqueada por uma porta de aço. A morte vem sob a forma de uma vara pneumática que é colocada contra a cabeça e disparada.
A pistola é projetada de modo que a haste jamais sai completamente, ela simplesmente vara a cabeça do animal e depois é puxada pelo açougueiro enquanto o animal desmaia. Vi isso sendo usado três ou quatro vezes, fazia o seu trabalho de primeira, mas uma vaca se debateu bastante até desmaiar. Depois que o animal desmaia, a lateral  do estábulo de abate é levantada e uma corrente é colocada na pata direita. A vaca é então içada por  essa perna e fica pendurada.

Neste ponto, o açougueiro drena o sangue do corpo fazendo um corte no pescoço da vaca. Quando as artérias são cortadas há uma corrente impressionante de sangue de modo que o açougueiro não consegue se afastar rapidamente e não consegue evitar levar um banho. Esta corrente de sangue quente dura cerca de 15 segundos, após a qual a única tarefa deixada pelo homem na primeira estação é esfolar o couro e remover a cabeça do animal.

Na segunda estação na área de matança, o animal sem cabeça é jogado no chão. O corpo é cortado na traseira, estripado e, se for fêmea, o saco de leite e as tetas são removidas. Neste momento, toda a urina e as fezes que não foram drenadas do corpo durante os primeiros segundos de morte correm soltos pelo chão. O corpo é então cortado até o meio e a pele afastada parcialmente. Uma corda é amarrada nas pernas traseiras, o corpo é levantado e o resto é puxado através de roldanas presas no chão, removendo a pele por inteira. O corpo do animal entra então na terceira estação da área de matança para ser retalhado e cortado na metade – tornando-se duas “metades de bife”.

As metades de bife são lavadas e pesadas na quarta e última estação de matança.  Elas são colocadas então num armário de refrigeração onde o calor restante da vida  lentamente se esvai antes de prosseguir para o freezer de super congelamento. Do armário de refrigeração, a carne prossegue para a área de armazenamento principal onde fica por até uma semana. Este armário tem uma saída para a área de açougue onde as laterais de carne são reduzidas em partes para serem enviadas aos supermercados e, posteriormente, chegarem até as mesas de refeição.

A parada final em meu ‘tour’ foi a fábrica de salsichas e lingüiças. Sempre dizem que se alguém pudesse ver o que tem dentro de uma salsicha jamais comeria uma novamente. Bem, esse ditado se aplica dez vezes mais à produção de lingüiça. O cheiro mais violentamente nauseante que jamais senti foi o que vinha dos tanques de fervura da carne para lingüiça.

Quando saía do complexo, estava envergonhado quanto ao meu ceticismo anterior e encorajo a qualquer um que tenha dúvidas como as que eu tinha, que faça uma visita a um matadouro ou passe um dia em uma fazenda fábrica. Creio que tenha ficado claro que deve existir uma forma melhor de nos alimentarmos e que é nossa missão, como seres capazes moralmente, perseguir formas alternativas.

Exemplo de Crueldade - Cachorros.


Exemplo de Crueldade - Cachorros:  “Não há fuga conveniente da culpa associada ao que  ocorre dentro de um matadouro, como no caso dos bebês focas no Ártico. Enquanto é fácil para a maioria de nós evitar comprar objetos para os quais as focas foram mortas — assim incorrendo na culpa pelas suas mortes — a maioria das pessoas voluntariamente (e impensadamente) come a carne de um tipo de animal ou outro cuja vida foi encerrada entre as paredes de um matadouro.”
Quando sugeriram que eu visitasse um matadouro para que observasse em primeira mão as infrações aos direitos dos animais, fui muito cético. A razão de meu ceticismo foi que eu pensava que um matadouro não apresentava um exemplo de crueldade distante o suficiente de nossa vida diária para ser pungente ou relevante em uma discussão sobre direitos dos animais. Sentia que deveria escrever  algo um pouco mais exótico ou considerado cruel ou imoral, como a matança de bebês focas. Estava terrivelmente enganado. O fato do que acontece em  um matadouro ser causado pela demanda que a vasta maioria da população exige da carne de outros seres vivos torna tudo ainda mais pungente e  relevante.

Quando saía de meu carro no estacionamento de uma fábrica de empacotamento, a combinação de sons e odores que vinham da construção metálica me fez  questionar se aquilo era algo que eu realmente  queria conhecer. A primeira coisa que me despertou os sentidos foi o barulho do gado — não o mugido bucólico e agradável que se pode ouvir em uma estrada rural próxima a uma fazenda, mas um mugido rápido e frenético. Era uma espécie de mugido que ouvi certa vez durante um fim de semana na fazenda leiteira de meu tio, quando uma das vacas foi atacada por cães vadios. Fora o barulho, a liberação de adrenalina no seu corpo fazia que a vaca respirasse tão rapidamente que chegava a ter dificuldade.

Naquele momento no estacionamento, podia sentir o desconforto no som das vacas, mas depois descobri que cada uma que aguardava no corredor que levava ao “estábulo da matança” estava sofrendo dos mesmos sintomas de terror que testemunhei na fazenda de meu tio.

A segunda coisa que notei também foi outro som. Enquanto andava na direção do prédio, ouvia um chiado estranho que somente poderia ser de uma serra cortando ossos ainda envoltos em carne. Neste ponto descobri que não estava preparado para o que iria experimentar. Este sentimento foi se intensificando ao ponto de náuseas quando, enquanto me aproximava, senti pela primeira vez a combinação de odores que permaneceria durante as próximas horas: o cheiro enjoado e nojento de carne recém-abatida ainda quente da vida tão recentemente removida; o cheiro não enjoado, mas nauseante da fervura de lingüiças e salsichas e o frio ranger da carne sendo pendurada, carcaça após carcaça, fileira após fileira, na área de refrigeração. Minha imaginação havia me preparado para a experiência visual, mas eu estava completamente despreparado para o cheiro quase insuportável que permeava inteiramente a fábrica.

Depois de breves “amabilidades” com Jerry, o gerente de produção da fábrica, foi-me permitido prosseguir pela fábrica sem guias e no meu próprio passo.  Comecei a visita “onde tudo começa”, como Jerry colocou, na “área de matança”.
Entrei na área de matança através de um corredor curto, parecido com um túnel, através do qual eu podia ver o que logo saberia ser a terceira estação de açougue.

A área de matança consistia de uma sala na qual um número de operações era executada por um ou dois entre seis açougueiros em quatro estações ao longo da extensão da sala. Na área de matança havia também um inspetor do departamento de agricultura americano (USDA) que examinava as partes de cada animal que passava.

A primeira estação é a estação de abate. Nela trabalha um único homem cujo trabalho é guiar o animal até o estábulo de abate, matá-lo e começar o processo de açougue. Este estágio do processo leva cerca de dez minutos para cada animal e começa com a abertura de uma pesada porta de aço que separa o estábulo de abate da área de espera.

O homem que trabalha nesta estação deve entrar em um corredor adjacente ao pátio de espera e conduzir sua próxima vítima na área de matança com uma vara elétrica de alta-tensão. Esta é parte que demora mais tempo da operação pois o gado tem  plena consciência do que os espera à frente e está determinado a não entrar na área de matança. Os sintomas físicos de terror são dolorosamente  evidentes nas faces de cada animal que vi, tanto na área de matança quanto na área de espera.

Durante cerca de 40 segundos a um minuto que cada animal fica esperando na área de matança antes de perder a consciência, o terror se torna visivelmente mais intenso. O animal podia cheirar o sangue e ver seus companheiros em vários estágios de desmembramento. Durante os poucos últimos segundos de vida, o animal desaba na área restrita do estábulo. Todas as quatro vacas cuja morte eu presenciei pulavam freneticamente, futilmente e pateticamente para o alto — a única direção que não estava bloqueada por uma porta de aço. A morte vem sob a forma de uma vara pneumática que é colocada contra a cabeça e disparada.
A pistola é projetada de modo que a haste jamais sai completamente, ela simplesmente vara a cabeça do animal e depois é puxada pelo açougueiro enquanto o animal desmaia. Vi isso sendo usado três ou quatro vezes, fazia o seu trabalho de primeira, mas uma vaca se debateu bastante até desmaiar. Depois que o animal desmaia, a lateral  do estábulo de abate é levantada e uma corrente é colocada na pata direita. A vaca é então içada por  essa perna e fica pendurada.

Neste ponto, o açougueiro drena o sangue do corpo fazendo um corte no pescoço da vaca. Quando as artérias são cortadas há uma corrente impressionante de sangue de modo que o açougueiro não consegue se afastar rapidamente e não consegue evitar levar um banho. Esta corrente de sangue quente dura cerca de 15 segundos, após a qual a única tarefa deixada pelo homem na primeira estação é esfolar o couro e remover a cabeça do animal.

Na segunda estação na área de matança, o animal sem cabeça é jogado no chão. O corpo é cortado na traseira, estripado e, se for fêmea, o saco de leite e as tetas são removidas. Neste momento, toda a urina e as fezes que não foram drenadas do corpo durante os primeiros segundos de morte correm soltos pelo chão. O corpo é então cortado até o meio e a pele afastada parcialmente. Uma corda é amarrada nas pernas traseiras, o corpo é levantado e o resto é puxado através de roldanas presas no chão, removendo a pele por inteira. O corpo do animal entra então na terceira estação da área de matança para ser retalhado e cortado na metade – tornando-se duas “metades de bife”.

As metades de bife são lavadas e pesadas na quarta e última estação de matança.  Elas são colocadas então num armário de refrigeração onde o calor restante da vida  lentamente se esvai antes de prosseguir para o freezer de super congelamento. Do armário de refrigeração, a carne prossegue para a área de armazenamento principal onde fica por até uma semana. Este armário tem uma saída para a área de açougue onde as laterais de carne são reduzidas em partes para serem enviadas aos supermercados e, posteriormente, chegarem até as mesas de refeição.

A parada final em meu ‘tour’ foi a fábrica de salsichas e lingüiças. Sempre dizem que se alguém pudesse ver o que tem dentro de uma salsicha jamais comeria uma novamente. Bem, esse ditado se aplica dez vezes mais à produção de lingüiça. O cheiro mais violentamente nauseante que jamais senti foi o que vinha dos tanques de fervura da carne para lingüiça.

Quando saía do complexo, estava envergonhado quanto ao meu ceticismo anterior e encorajo a qualquer um que tenha dúvidas como as que eu tinha, que faça uma visita a um matadouro ou passe um dia em uma fazenda fábrica. Creio que tenha ficado claro que deve existir uma forma melhor de nos alimentarmos e que é nossa missão, como seres capazes moralmente, perseguir formas alternativas.

sábado, maio 24, 2014

Métodos Alternativos para a Vivissecção - Cachorros.


Métodos Alternativos para a Vivissecção - Cachorros:  De acordo com ele, o artigo 32 do diploma jurídico ambiental incrimina “quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos” – Lei dos Crimes Ambientais nº 9.605/98 – . Portanto, cabe aos alunos e a comunidade científica e civil em geral, fazer valer os termos da lei, buscando métodos alternativos para a vivissecção. Já existem, inclusive, diversos trabalhos acadêmicos a respeito, um exemplo é o livro do  biólogo Sérgio Greif,  “Alternativas ao uso de animais vivos na educação”.

Como não participar dessa insanidade?

Os alunos podem recorrer à cláusula de objeção de consciência a experimentação animal, uma forma legal de desafiar a ordem cultural vigente. “Trata-se de um legítimo direito do estudante, que, de modo pacifico, o invoca não apenas para resguardar as suas convicções íntimas garantidas pela Carta Política, mas sobretudo, para salvar a vida e poupar os animais de sofrimentos”, explica Levai.

De acordo com o promotor, “o fundamento jurídico para invocar a resistência passiva encontra-se principalmente no capítulo dos Direitos e Garantias Individuais da Constituição Federal – artigo 5º, incisos VIII, conjugado com incisos II e VI (parte inicial) e no artigo 225 par. 1º, inciso VII (parte final) da Carta da República, podendo ser exercido mediante o exercício do direito de petição no âmbito administrativo (art. 5º, inciso XXXIV), sem prejuízo de o interessado – se necessário – ingressar em juízo com Mandado de Segurança (artigo 5º, LXIX, da CF)”.

E a Lei Arouca?

A Lei Arouca, agora conhecida como 11.794/08, foi aprovada apesar de todos os esforços dos ativistas pelos direitos dos animais. Ela vai à contramão do movimento, pois regulamenta os experimentos científicos com uso de animais, atendendo ao forte lobby das indústrias farmacêuticas. Mas, apesar desse retrocesso, a Lei nada diz sobre a objeção de consciência. Sendo assim, este recurso continua válido.

A aprovação da lei, sem prévia discussão com as entidades civis acontece, não por acaso, no momento em que muitos países da União Européia estão proibindo testes em animais, por isso a forte pressão das indústrias para continuar suas práticas em países como o Brasil, onde a legislação está sempre um passo atrás.

sexta-feira, maio 23, 2014

Como não Participar desta Insanidade? - Cachorros.


Como não Participar desta Insanidade? - Cachorros: De acordo com ele, o artigo 32 do diploma jurídico ambiental incrimina “quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos” – Lei dos Crimes Ambientais nº 9.605/98 – . Portanto, cabe aos alunos e a comunidade científica e civil em geral, fazer valer os termos da lei, buscando métodos alternativos para a vivissecção. Já existem, inclusive, diversos trabalhos acadêmicos a respeito, um exemplo é o livro do  biólogo Sérgio Greif,  “Alternativas ao uso de animais vivos na educação”.

Como não participar dessa insanidade?

Os alunos podem recorrer à cláusula de objeção de consciência a experimentação animal, uma forma legal de desafiar a ordem cultural vigente. “Trata-se de um legítimo direito do estudante, que, de modo pacifico, o invoca não apenas para resguardar as suas convicções íntimas garantidas pela Carta Política, mas sobretudo, para salvar a vida e poupar os animais de sofrimentos”, explica Levai.

De acordo com o promotor, “o fundamento jurídico para invocar a resistência passiva encontra-se principalmente no capítulo dos Direitos e Garantias Individuais da Constituição Federal – artigo 5º, incisos VIII, conjugado com incisos II e VI (parte inicial) e no artigo 225 par. 1º, inciso VII (parte final) da Carta da República, podendo ser exercido mediante o exercício do direito de petição no âmbito administrativo (art. 5º, inciso XXXIV), sem prejuízo de o interessado – se necessário – ingressar em juízo com Mandado de Segurança (artigo 5º, LXIX, da CF)”.

E a Lei Arouca?

A Lei Arouca, agora conhecida como 11.794/08, foi aprovada apesar de todos os esforços dos ativistas pelos direitos dos animais. Ela vai à contramão do movimento, pois regulamenta os experimentos científicos com uso de animais, atendendo ao forte lobby das indústrias farmacêuticas. Mas, apesar desse retrocesso, a Lei nada diz sobre a objeção de consciência. Sendo assim, este recurso continua válido.

A aprovação da lei, sem prévia discussão com as entidades civis acontece, não por acaso, no momento em que muitos países da União Européia estão proibindo testes em animais, por isso a forte pressão das indústrias para continuar suas práticas em países como o Brasil, onde a legislação está sempre um passo atrás.


quinta-feira, maio 22, 2014

Senhor de Alguma Coisa - Cachorros.


Senhor de Alguma Coisa - Cachorros:  Dois vícios infelizmente ainda comuns entre defensores de animais e legisladores, sem falar da população como um todo, são considerar a tutela e responsabilidade de uma pessoa sobre seu bicho de estimação uma “posse” e chamar humanos que cuidam e tutelam animais domésticos de “donos”. Quem nunca falou ou ouviu expressões como “o dono desse cão…” ou “…em prol da posse responsável de animais”? É esse uso extremamente inadequado e vicioso, senão especista, dessas palavras que todos precisam repensar e abolir da relação entre os humanos e os animais não-humanos.

Há de se responder às perguntas: por que é inadequado dizer que um tutor de bichos de estimação é dono deles? Por que não é bom falar “o dono do bicho”? Por que não falar de posse de animais domésticos?

Em primeiro lugar, evoco a semântica denotativa, a que não tem sentido figurado (conotativo). As palavras “dono” e “posse” denotam propriedade. O dono de algo é proprietário desse mesmo algo. Quem tem posse tem propriedade sobre o objeto possuído. Seria ético dizer que temos propriedade sobre nossos bichos de estimação?

Para aumentar a minha objeção sobre o uso dessas palavras sobre a relação humano-bicho, invoco suas definições nos dicionários “Priberam/Texto Editores” e “Aurélio”. Mesmo que você contrarie dizendo que a língua portuguesa é flexível e não se prende às definições contidas em um dicionário, eu mostro-as com o propósito de apontar o sentido original dos vocábulos referidos.

Segundo o Priberam/Texto Editores:
DONO (do Lat. domnu por dominu, senhor): s. m., senhor de alguma coisa; proprietário; possuidor.
POSSE (do Lat. posse): s. f., retenção ou fruição de uma coisa ou direito; estado de quem possui ou frui uma coisa em seu poder; 
Jur., ação ou direito de possuir um título de propriedade; ato pelo qual alguém é investido ou investe outrem num direito, num cargo ou dignidade; (no pl.) haveres, bens, riqueza; (no pl.) aptidão, capacidade.

Segundo o Aurélio:
DONO: s.m. 1. Proprietário, senhor. 2. Chefe (de uma casa).
POSSE: s.f. 1. Detenção duma coisa com o fim de tirar dela qualquer utilidade econômica. 2. Investidura em cargo público, ou posto honorífico, etc., ou a respectiva solenidade.

Note que não há nessas atribuições originais as posições de guarda ou tutela, tutor ou responsável de animais. Isso dá razão aos argumentos que consideram posse de animais sendo sua relegação a bens, objetos de valor e de usufruto de seu proprietário, e dono sendo de fato um proprietário. E ambas as palavras convergem num sentido semântico: propriedade.

Pergunto então: é ético dizer-se proprietário de animais domésticos? É válido ter como propriedade, como meros bens de valor, seres dotados de sentimentos, personalidade, senciência, passibilidade ao sofrimento?

Você, possivelmente um defensor animal, dirá que fala “posse” no sentido de tutela, de criação paternal dos bichos, sem intencionar reduzi-los a propriedades. Mas então eu digo: você, que não tolera o especismo, iria se referir à guarda de uma criança órfã adotada como posse também? Você diria “Vamos garantir a posse responsável de crianças abandonadas”? Ou acha essa frase absurda? Se disser que opta pela segunda alternativa, está admitindo que ainda comete deslizes especistas apesar de sua filosofia de zelo ético pelos animais.

E, quanto à palavra “dono”, que infelizmente muitos defensores ainda usam, pergunto algo parecido: você chamaria o tutor, ou pai adotivo, de um jovem deficiente mental adotado em alguma casa de cuidados para deficientes mentais, sendo este incapaz de semear uma vida independente, de dono dele? Ué, esse jovem, independente de ter sentimentos, dor e protopersonalidade, tem prejudicada ou não tem a maioria das capacidades estritamente humanas de raciocínio pleno e cognição complexa, está num status similar ao de um animal não-humano como um gorila ou um cão.

Por que então os animais podem ter “dono” enquanto pessoas com capacidades parecidas com a de bichos não podem de jeito nenhum? Por que apenas humanos têm direito à dignidade de não poder ter dono ou ser posse?

Já sei: é a força do hábito, ou, em outras palavras, um vício de expressão habitual. É comum isso. Muitos ex-cristãos ou ex-teístas também são pegos no flagra lançando mão de palavras de uso vicioso. Vemos muitos ateus ainda proferindo interjeições religiosas como “Deus me livre!”, “Nossa!”, “Ave Maria!”, ou “Pelo amor de Deus!”. Estes sabem que essas expressões pegam mal, porque subvertem sua descrença e frequentemente são vistas por crentes, que as pegam no flagra, como demonstrações de que o ex-cristão não esqueceu seu antigo deus (ou santo), e isso é péssimo para quem as profere. Do mesmo jeito que essas pessoas tentam se livrar de seus vícios de expressão religiosa, os protetores dos animais devem também se policiar para evitar proferir essas palavras que não condizem com a dignidade dos animais.

Antes do próximo parágrafo, lanço aqui um comentário subjetivo: sabe que, quando falam de “posse responsável”, só consigo remeter minha imaginação à posse de armas? Armas sim são objetos passíveis de uma posse responsável. O usufruto irresponsável da propriedade delas gera muitos acidentes graves ou fatais e facilita seu roubo para uso em crimes, portanto, é necessária sua posse responsável. Sem falar que é impensável falar de posse de armas como sendo tutela, guarda ou criação paternal delas. Penso nessas horas: poxa, realmente soa muito mal falar de “posse” de animais, ainda que a palavra, acompanhada do adjetivo “responsável”, esteja se referindo a uma tutela bem-conduzida de bichos.

Voltando ao fluxo objetivo do artigo, vamos pensar em um assunto de certa forma pouco pensado: as crianças selvagens, abandonadas na selva e criadas por animais não-humanos. O site FeralChildren.com dá muitos exemplos sobre essas crianças e mostra que a maioria delas foi cuidada ao longo de sua infância (e juventude, em muitos casos) por lobos e primatas. Analisando as histórias, vemos que esses animais são mais éticos – mesmo que não tenham nenhuma noção de Ética – que o humano no tratamento da espécie “antagônica”. Ao menos no que se refere à não-arrogância do atributo de dono ou posseiro do ente adotado.

Nota-se que os lobos que adotaram meninos(as) como Kamala, Amala ou Djuma de forma alguma os(as) tratavam como se fossem donos seus ou como se estivessem em posse deles(as). Pergunto: você chamaria os cuidados quase paternais dados pelos bichos da selva às crianças de “posse responsável”? Note que a relação interespecífica lobos-meninos selvagens é quase a mesma que a relação humanos-bichos domésticos, com o diferencial de que o apego dos animais aos humaninhos adotados era muito mais próximo de um afeto paternal/maternal/familiar do que o daqueles que se dizem “donos” dos seus bichinhos a estes.

Epa, mas essa diferença não acontece sempre! Existem muitos casos em que os humanos se apegam numa relação também quase familiar com seus “meninos não-humanos”. Pergunto então, já para mostrar a invalidade da condição do uso dos dois termos: onde há um relacionamento de “posse responsável”? Nos cuidados “animais selvagens => crianças adotadas”? Na relação “humanos civilizados não-especistas => animais domésticos”? Nos dois? Ou em nenhum? A sua conclusão mostrará que não há lógica ético-filosófica na arrogância da posse ou do atributo de dono em nenhum sentido direcional da relação entre espécies de diferente condicionamento racional/proto-racional.

Isso, no entanto, não é respeitado por muitas pessoas, ora ignorantes ora realmente mal-encaradas na sua visão acerca dos animais não-humanos. Enquanto amantes verdadeiros destes últimos falam de “dono” ou “posse” apenas no costume/vício de expressão, gente como pecuaristas, vaqueiros, peões e comerciantes de pet-shops tratam, de fato, os bichos sob seus cuidados aplicando o sentido mais denotativo possível dessas duas palavras.

Levando ao pé da letra a arrogância de serem “donos” e terem “posse” de cães, gatos e pássaros engaiolados à venda ou cavalos, bois, porcos e outros animais explorados no meio rural, usam-nos para fins perniciosos, desde o acúmulo de propriedade e extração de matéria-prima — vide execução em massa nos matadouros para obtenção de produtos como carne e couro — até seu aproveitamento comercial e “cultural” pela sua coisificação e redução a brinquedos e mercadorias, como em rodeios, vaquejadas, exposições e leilões(!) de animais e pet-shops, violando gravemente a dignidade existencial dos não-humanos e repetindo os mesmos procedimentos abomináveis que foram muito praticados na época da livre escravidão humana.

Isso não é de fato uma consequência do uso zoo-específico das duas palavras, mas uma amostra do que se é capaz de fazer quando se tenta transplantar a aplicação delas, que deveria ser restrita a objetos e bens imóveis, à relação com os animais. Visto isso, a intolerância à sua aplicação nos bichos implicará a inadmissão dos meios de exploração animal. Isso não seria uma zoo-panaceia, mas um passo na evolução ética do tratamento de nossos irmãos de vida.

A esse ponto, você pode dizer: “Tudo bem, não é nada bom falar normalmente de dono ou posse de animais. E quanto a ser um criador  deles”? A palavra “criador” ainda parece menos intolerável que as outras duas, visto que há a criação (paternal) do bicho doméstico do mesmo jeito que a da criança/do adolescente humano, para seu sustento e sobrevivência pela tutela dos pais ou tutores. Acaba aí a semelhança, com o levantamento da diferença de que, para o humano, sua criação visa garantir que ele cresça e se torne um adulto íntegro e auto-sustentável, enquanto o animal será perpetuamente tutelado – o que desperta severas interrogações éticas por parte de adeptos da Libertação Animal, com as quais eu concordo.

Outro fator é que a “criação de animais” é freqüentemente vista como um equivalente zootécnico ao cultivo de vegetais. Ambos, muitas vezes, têm fins comerciais e produtivos de matéria-prima e isso, no caso animal, é uma severa transgressão de sua dignidade e de seu direito de viver, na linha da mercantilização da vida e do corpo do bicho com o rebaixamento de suas características espirituais (não falo no sentido de religião, mas no da presença de atributos psicológicos ou protopsicológicos). Sem falar que jamais dizemos “o criador de crianças”, nem que seja o dono de um orfanato ou o benfeitor de uma casa de crianças desamparadas. Daí, torna-se não-recomendável o uso da palavra “criador” para se referir a um responsável/tutor de animais. Já a palavra “criação” eu recomendo que seja usada junto a “paternal”: “criação paternal”, expressão já presente neste artigo.

Todos os fatores e evidências expostos mostram que é realmente inadequado chamar tutores de bichos de “donos” e sua tutela/guarda/criação paternal de “posse”. Caso seja um vício de expressão habitual, recomendo que você policie sua fala para que evite proferir essas palavras no tratamento de animais, do mesmo jeito que ex-cristãos tentam evitar expressões características de sua antiga religião. Pequenas mudanças na aplicação do vocabulário conseguem moldar detalhes importantes da própria visão da pessoa sobre o assunto da dignidade animal e tornam sua atitude mais racionalizada e coerente.

É com passos simples como essa substituição vocabular que, aos poucos, os próprios defensores dos bichos vão se livrando de antigos vícios e resquícios de especismo e de tratamento desigual entre o ser humano e o bicho e otimizando sua própria visão do valor natural e espiritual que os animais não-humanos, assim como os humanos, possuem plenamente. Jamais vai se alcançar um mundo de animais libertos e plenamente respeitados quando ainda há apologias, intencionais ou não, ao antigo status arrogado de “donos” e à posse/propriedade de bichos.


Responsável/Tutor de Animais - Cachorros.


Responsável?Tutor de Animais - Cachorros:  Dois vícios infelizmente ainda comuns entre defensores de animais e legisladores, sem falar da população como um todo, são considerar a tutela e responsabilidade de uma pessoa sobre seu bicho de estimação uma “posse” e chamar humanos que cuidam e tutelam animais domésticos de “donos”. Quem nunca falou ou ouviu expressões como “o dono desse cão…” ou “…em prol da posse responsável de animais”? É esse uso extremamente inadequado e vicioso, senão especista, dessas palavras que todos precisam repensar e abolir da relação entre os humanos e os animais não-humanos.

Há de se responder às perguntas: por que é inadequado dizer que um tutor de bichos de estimação é dono deles? Por que não é bom falar “o dono do bicho”? Por que não falar de posse de animais domésticos?

Em primeiro lugar, evoco a semântica denotativa, a que não tem sentido figurado (conotativo). As palavras “dono” e “posse” denotam propriedade. O dono de algo é proprietário desse mesmo algo. Quem tem posse tem propriedade sobre o objeto possuído. Seria ético dizer que temos propriedade sobre nossos bichos de estimação?

Para aumentar a minha objeção sobre o uso dessas palavras sobre a relação humano-bicho, invoco suas definições nos dicionários “Priberam/Texto Editores” e “Aurélio”. Mesmo que você contrarie dizendo que a língua portuguesa é flexível e não se prende às definições contidas em um dicionário, eu mostro-as com o propósito de apontar o sentido original dos vocábulos referidos.

Segundo o Priberam/Texto Editores:
DONO (do Lat. domnu por dominu, senhor): s. m., senhor de alguma coisa; proprietário; possuidor.
POSSE (do Lat. posse): s. f., retenção ou fruição de uma coisa ou direito; estado de quem possui ou frui uma coisa em seu poder; 
Jur., ação ou direito de possuir um título de propriedade; ato pelo qual alguém é investido ou investe outrem num direito, num cargo ou dignidade; (no pl.) haveres, bens, riqueza; (no pl.) aptidão, capacidade.

Segundo o Aurélio:
DONO: s.m. 1. Proprietário, senhor. 2. Chefe (de uma casa).
POSSE: s.f. 1. Detenção duma coisa com o fim de tirar dela qualquer utilidade econômica. 2. Investidura em cargo público, ou posto honorífico, etc., ou a respectiva solenidade.

Note que não há nessas atribuições originais as posições de guarda ou tutela, tutor ou responsável de animais. Isso dá razão aos argumentos que consideram posse de animais sendo sua relegação a bens, objetos de valor e de usufruto de seu proprietário, e dono sendo de fato um proprietário. E ambas as palavras convergem num sentido semântico: propriedade.

Pergunto então: é ético dizer-se proprietário de animais domésticos? É válido ter como propriedade, como meros bens de valor, seres dotados de sentimentos, personalidade, senciência, passibilidade ao sofrimento?

Você, possivelmente um defensor animal, dirá que fala “posse” no sentido de tutela, de criação paternal dos bichos, sem intencionar reduzi-los a propriedades. Mas então eu digo: você, que não tolera o especismo, iria se referir à guarda de uma criança órfã adotada como posse também? Você diria “Vamos garantir a posse responsável de crianças abandonadas”? Ou acha essa frase absurda? Se disser que opta pela segunda alternativa, está admitindo que ainda comete deslizes especistas apesar de sua filosofia de zelo ético pelos animais.

E, quanto à palavra “dono”, que infelizmente muitos defensores ainda usam, pergunto algo parecido: você chamaria o tutor, ou pai adotivo, de um jovem deficiente mental adotado em alguma casa de cuidados para deficientes mentais, sendo este incapaz de semear uma vida independente, de dono dele? Ué, esse jovem, independente de ter sentimentos, dor e protopersonalidade, tem prejudicada ou não tem a maioria das capacidades estritamente humanas de raciocínio pleno e cognição complexa, está num status similar ao de um animal não-humano como um gorila ou um cão.

Por que então os animais podem ter “dono” enquanto pessoas com capacidades parecidas com a de bichos não podem de jeito nenhum? Por que apenas humanos têm direito à dignidade de não poder ter dono ou ser posse?

Já sei: é a força do hábito, ou, em outras palavras, um vício de expressão habitual. É comum isso. Muitos ex-cristãos ou ex-teístas também são pegos no flagra lançando mão de palavras de uso vicioso. Vemos muitos ateus ainda proferindo interjeições religiosas como “Deus me livre!”, “Nossa!”, “Ave Maria!”, ou “Pelo amor de Deus!”. Estes sabem que essas expressões pegam mal, porque subvertem sua descrença e frequentemente são vistas por crentes, que as pegam no flagra, como demonstrações de que o ex-cristão não esqueceu seu antigo deus (ou santo), e isso é péssimo para quem as profere. Do mesmo jeito que essas pessoas tentam se livrar de seus vícios de expressão religiosa, os protetores dos animais devem também se policiar para evitar proferir essas palavras que não condizem com a dignidade dos animais.

Antes do próximo parágrafo, lanço aqui um comentário subjetivo: sabe que, quando falam de “posse responsável”, só consigo remeter minha imaginação à posse de armas? Armas sim são objetos passíveis de uma posse responsável. O usufruto irresponsável da propriedade delas gera muitos acidentes graves ou fatais e facilita seu roubo para uso em crimes, portanto, é necessária sua posse responsável. Sem falar que é impensável falar de posse de armas como sendo tutela, guarda ou criação paternal delas. Penso nessas horas: poxa, realmente soa muito mal falar de “posse” de animais, ainda que a palavra, acompanhada do adjetivo “responsável”, esteja se referindo a uma tutela bem-conduzida de bichos.

Voltando ao fluxo objetivo do artigo, vamos pensar em um assunto de certa forma pouco pensado: as crianças selvagens, abandonadas na selva e criadas por animais não-humanos. O site FeralChildren.com dá muitos exemplos sobre essas crianças e mostra que a maioria delas foi cuidada ao longo de sua infância (e juventude, em muitos casos) por lobos e primatas. Analisando as histórias, vemos que esses animais são mais éticos – mesmo que não tenham nenhuma noção de Ética – que o humano no tratamento da espécie “antagônica”. Ao menos no que se refere à não-arrogância do atributo de dono ou posseiro do ente adotado.

Nota-se que os lobos que adotaram meninos(as) como Kamala, Amala ou Djuma de forma alguma os(as) tratavam como se fossem donos seus ou como se estivessem em posse deles(as). Pergunto: você chamaria os cuidados quase paternais dados pelos bichos da selva às crianças de “posse responsável”? Note que a relação interespecífica lobos-meninos selvagens é quase a mesma que a relação humanos-bichos domésticos, com o diferencial de que o apego dos animais aos humaninhos adotados era muito mais próximo de um afeto paternal/maternal/familiar do que o daqueles que se dizem “donos” dos seus bichinhos a estes.

Epa, mas essa diferença não acontece sempre! Existem muitos casos em que os humanos se apegam numa relação também quase familiar com seus “meninos não-humanos”. Pergunto então, já para mostrar a invalidade da condição do uso dos dois termos: onde há um relacionamento de “posse responsável”? Nos cuidados “animais selvagens => crianças adotadas”? Na relação “humanos civilizados não-especistas => animais domésticos”? Nos dois? Ou em nenhum? A sua conclusão mostrará que não há lógica ético-filosófica na arrogância da posse ou do atributo de dono em nenhum sentido direcional da relação entre espécies de diferente condicionamento racional/proto-racional.

Isso, no entanto, não é respeitado por muitas pessoas, ora ignorantes ora realmente mal-encaradas na sua visão acerca dos animais não-humanos. Enquanto amantes verdadeiros destes últimos falam de “dono” ou “posse” apenas no costume/vício de expressão, gente como pecuaristas, vaqueiros, peões e comerciantes de pet-shops tratam, de fato, os bichos sob seus cuidados aplicando o sentido mais denotativo possível dessas duas palavras.

Levando ao pé da letra a arrogância de serem “donos” e terem “posse” de cães, gatos e pássaros engaiolados à venda ou cavalos, bois, porcos e outros animais explorados no meio rural, usam-nos para fins perniciosos, desde o acúmulo de propriedade e extração de matéria-prima — vide execução em massa nos matadouros para obtenção de produtos como carne e couro — até seu aproveitamento comercial e “cultural” pela sua coisificação e redução a brinquedos e mercadorias, como em rodeios, vaquejadas, exposições e leilões(!) de animais e pet-shops, violando gravemente a dignidade existencial dos não-humanos e repetindo os mesmos procedimentos abomináveis que foram muito praticados na época da livre escravidão humana.

Isso não é de fato uma consequência do uso zoo-específico das duas palavras, mas uma amostra do que se é capaz de fazer quando se tenta transplantar a aplicação delas, que deveria ser restrita a objetos e bens imóveis, à relação com os animais. Visto isso, a intolerância à sua aplicação nos bichos implicará a inadmissão dos meios de exploração animal. Isso não seria uma zoo-panaceia, mas um passo na evolução ética do tratamento de nossos irmãos de vida.

A esse ponto, você pode dizer: “Tudo bem, não é nada bom falar normalmente de dono ou posse de animais. E quanto a ser um criador  deles”? A palavra “criador” ainda parece menos intolerável que as outras duas, visto que há a criação (paternal) do bicho doméstico do mesmo jeito que a da criança/do adolescente humano, para seu sustento e sobrevivência pela tutela dos pais ou tutores. Acaba aí a semelhança, com o levantamento da diferença de que, para o humano, sua criação visa garantir que ele cresça e se torne um adulto íntegro e auto-sustentável, enquanto o animal será perpetuamente tutelado – o que desperta severas interrogações éticas por parte de adeptos da Libertação Animal, com as quais eu concordo.

Outro fator é que a “criação de animais” é freqüentemente vista como um equivalente zootécnico ao cultivo de vegetais. Ambos, muitas vezes, têm fins comerciais e produtivos de matéria-prima e isso, no caso animal, é uma severa transgressão de sua dignidade e de seu direito de viver, na linha da mercantilização da vida e do corpo do bicho com o rebaixamento de suas características espirituais (não falo no sentido de religião, mas no da presença de atributos psicológicos ou protopsicológicos). Sem falar que jamais dizemos “o criador de crianças”, nem que seja o dono de um orfanato ou o benfeitor de uma casa de crianças desamparadas. Daí, torna-se não-recomendável o uso da palavra “criador” para se referir a um responsável/tutor de animais. Já a palavra “criação” eu recomendo que seja usada junto a “paternal”: “criação paternal”, expressão já presente neste artigo.

Todos os fatores e evidências expostos mostram que é realmente inadequado chamar tutores de bichos de “donos” e sua tutela/guarda/criação paternal de “posse”. Caso seja um vício de expressão habitual, recomendo que você policie sua fala para que evite proferir essas palavras no tratamento de animais, do mesmo jeito que ex-cristãos tentam evitar expressões características de sua antiga religião. Pequenas mudanças na aplicação do vocabulário conseguem moldar detalhes importantes da própria visão da pessoa sobre o assunto da dignidade animal e tornam sua atitude mais racionalizada e coerente.

É com passos simples como essa substituição vocabular que, aos poucos, os próprios defensores dos bichos vão se livrando de antigos vícios e resquícios de especismo e de tratamento desigual entre o ser humano e o bicho e otimizando sua própria visão do valor natural e espiritual que os animais não-humanos, assim como os humanos, possuem plenamente. Jamais vai se alcançar um mundo de animais libertos e plenamente respeitados quando ainda há apologias, intencionais ou não, ao antigo status arrogado de “donos” e à posse/propriedade de bichos.


Proprietário de Animais Domésticos - Cachorros.


Proprietário de Animais Domésticos - Cachorros:  Dois vícios infelizmente ainda comuns entre defensores de animais e legisladores, sem falar da população como um todo, são considerar a tutela e responsabilidade de uma pessoa sobre seu bicho de estimação uma “posse” e chamar humanos que cuidam e tutelam animais domésticos de “donos”. Quem nunca falou ou ouviu expressões como “o dono desse cão…” ou “…em prol da posse responsável de animais”? É esse uso extremamente inadequado e vicioso, senão especista, dessas palavras que todos precisam repensar e abolir da relação entre os humanos e os animais não-humanos.

Há de se responder às perguntas: por que é inadequado dizer que um tutor de bichos de estimação é dono deles? Por que não é bom falar “o dono do bicho”? Por que não falar de posse de animais domésticos?

Em primeiro lugar, evoco a semântica denotativa, a que não tem sentido figurado (conotativo). As palavras “dono” e “posse” denotam propriedade. O dono de algo é proprietário desse mesmo algo. Quem tem posse tem propriedade sobre o objeto possuído. Seria ético dizer que temos propriedade sobre nossos bichos de estimação?

Para aumentar a minha objeção sobre o uso dessas palavras sobre a relação humano-bicho, invoco suas definições nos dicionários “Priberam/Texto Editores” e “Aurélio”. Mesmo que você contrarie dizendo que a língua portuguesa é flexível e não se prende às definições contidas em um dicionário, eu mostro-as com o propósito de apontar o sentido original dos vocábulos referidos.

Segundo o Priberam/Texto Editores:
DONO (do Lat. domnu por dominu, senhor): s. m., senhor de alguma coisa; proprietário; possuidor.
POSSE (do Lat. posse): s. f., retenção ou fruição de uma coisa ou direito; estado de quem possui ou frui uma coisa em seu poder; 
Jur., ação ou direito de possuir um título de propriedade; ato pelo qual alguém é investido ou investe outrem num direito, num cargo ou dignidade; (no pl.) haveres, bens, riqueza; (no pl.) aptidão, capacidade.

Segundo o Aurélio:
DONO: s.m. 1. Proprietário, senhor. 2. Chefe (de uma casa).
POSSE: s.f. 1. Detenção duma coisa com o fim de tirar dela qualquer utilidade econômica. 2. Investidura em cargo público, ou posto honorífico, etc., ou a respectiva solenidade.

Note que não há nessas atribuições originais as posições de guarda ou tutela, tutor ou responsável de animais. Isso dá razão aos argumentos que consideram posse de animais sendo sua relegação a bens, objetos de valor e de usufruto de seu proprietário, e dono sendo de fato um proprietário. E ambas as palavras convergem num sentido semântico: propriedade.

Pergunto então: é ético dizer-se proprietário de animais domésticos? É válido ter como propriedade, como meros bens de valor, seres dotados de sentimentos, personalidade, senciência, passibilidade ao sofrimento?

Você, possivelmente um defensor animal, dirá que fala “posse” no sentido de tutela, de criação paternal dos bichos, sem intencionar reduzi-los a propriedades. Mas então eu digo: você, que não tolera o especismo, iria se referir à guarda de uma criança órfã adotada como posse também? Você diria “Vamos garantir a posse responsável de crianças abandonadas”? Ou acha essa frase absurda? Se disser que opta pela segunda alternativa, está admitindo que ainda comete deslizes especistas apesar de sua filosofia de zelo ético pelos animais.

E, quanto à palavra “dono”, que infelizmente muitos defensores ainda usam, pergunto algo parecido: você chamaria o tutor, ou pai adotivo, de um jovem deficiente mental adotado em alguma casa de cuidados para deficientes mentais, sendo este incapaz de semear uma vida independente, de dono dele? Ué, esse jovem, independente de ter sentimentos, dor e protopersonalidade, tem prejudicada ou não tem a maioria das capacidades estritamente humanas de raciocínio pleno e cognição complexa, está num status similar ao de um animal não-humano como um gorila ou um cão.

Por que então os animais podem ter “dono” enquanto pessoas com capacidades parecidas com a de bichos não podem de jeito nenhum? Por que apenas humanos têm direito à dignidade de não poder ter dono ou ser posse?

Já sei: é a força do hábito, ou, em outras palavras, um vício de expressão habitual. É comum isso. Muitos ex-cristãos ou ex-teístas também são pegos no flagra lançando mão de palavras de uso vicioso. Vemos muitos ateus ainda proferindo interjeições religiosas como “Deus me livre!”, “Nossa!”, “Ave Maria!”, ou “Pelo amor de Deus!”. Estes sabem que essas expressões pegam mal, porque subvertem sua descrença e frequentemente são vistas por crentes, que as pegam no flagra, como demonstrações de que o ex-cristão não esqueceu seu antigo deus (ou santo), e isso é péssimo para quem as profere. Do mesmo jeito que essas pessoas tentam se livrar de seus vícios de expressão religiosa, os protetores dos animais devem também se policiar para evitar proferir essas palavras que não condizem com a dignidade dos animais.

Antes do próximo parágrafo, lanço aqui um comentário subjetivo: sabe que, quando falam de “posse responsável”, só consigo remeter minha imaginação à posse de armas? Armas sim são objetos passíveis de uma posse responsável. O usufruto irresponsável da propriedade delas gera muitos acidentes graves ou fatais e facilita seu roubo para uso em crimes, portanto, é necessária sua posse responsável. Sem falar que é impensável falar de posse de armas como sendo tutela, guarda ou criação paternal delas. Penso nessas horas: poxa, realmente soa muito mal falar de “posse” de animais, ainda que a palavra, acompanhada do adjetivo “responsável”, esteja se referindo a uma tutela bem-conduzida de bichos.

Voltando ao fluxo objetivo do artigo, vamos pensar em um assunto de certa forma pouco pensado: as crianças selvagens, abandonadas na selva e criadas por animais não-humanos. O site FeralChildren.com dá muitos exemplos sobre essas crianças e mostra que a maioria delas foi cuidada ao longo de sua infância (e juventude, em muitos casos) por lobos e primatas. Analisando as histórias, vemos que esses animais são mais éticos – mesmo que não tenham nenhuma noção de Ética – que o humano no tratamento da espécie “antagônica”. Ao menos no que se refere à não-arrogância do atributo de dono ou posseiro do ente adotado.

Nota-se que os lobos que adotaram meninos(as) como Kamala, Amala ou Djuma de forma alguma os(as) tratavam como se fossem donos seus ou como se estivessem em posse deles(as). Pergunto: você chamaria os cuidados quase paternais dados pelos bichos da selva às crianças de “posse responsável”? Note que a relação interespecífica lobos-meninos selvagens é quase a mesma que a relação humanos-bichos domésticos, com o diferencial de que o apego dos animais aos humaninhos adotados era muito mais próximo de um afeto paternal/maternal/familiar do que o daqueles que se dizem “donos” dos seus bichinhos a estes.

Epa, mas essa diferença não acontece sempre! Existem muitos casos em que os humanos se apegam numa relação também quase familiar com seus “meninos não-humanos”. Pergunto então, já para mostrar a invalidade da condição do uso dos dois termos: onde há um relacionamento de “posse responsável”? Nos cuidados “animais selvagens => crianças adotadas”? Na relação “humanos civilizados não-especistas => animais domésticos”? Nos dois? Ou em nenhum? A sua conclusão mostrará que não há lógica ético-filosófica na arrogância da posse ou do atributo de dono em nenhum sentido direcional da relação entre espécies de diferente condicionamento racional/proto-racional.

Isso, no entanto, não é respeitado por muitas pessoas, ora ignorantes ora realmente mal-encaradas na sua visão acerca dos animais não-humanos. Enquanto amantes verdadeiros destes últimos falam de “dono” ou “posse” apenas no costume/vício de expressão, gente como pecuaristas, vaqueiros, peões e comerciantes de pet-shops tratam, de fato, os bichos sob seus cuidados aplicando o sentido mais denotativo possível dessas duas palavras.

Levando ao pé da letra a arrogância de serem “donos” e terem “posse” de cães, gatos e pássaros engaiolados à venda ou cavalos, bois, porcos e outros animais explorados no meio rural, usam-nos para fins perniciosos, desde o acúmulo de propriedade e extração de matéria-prima — vide execução em massa nos matadouros para obtenção de produtos como carne e couro — até seu aproveitamento comercial e “cultural” pela sua coisificação e redução a brinquedos e mercadorias, como em rodeios, vaquejadas, exposições e leilões(!) de animais e pet-shops, violando gravemente a dignidade existencial dos não-humanos e repetindo os mesmos procedimentos abomináveis que foram muito praticados na época da livre escravidão humana.

Isso não é de fato uma consequência do uso zoo-específico das duas palavras, mas uma amostra do que se é capaz de fazer quando se tenta transplantar a aplicação delas, que deveria ser restrita a objetos e bens imóveis, à relação com os animais. Visto isso, a intolerância à sua aplicação nos bichos implicará a inadmissão dos meios de exploração animal. Isso não seria uma zoo-panaceia, mas um passo na evolução ética do tratamento de nossos irmãos de vida.

A esse ponto, você pode dizer: “Tudo bem, não é nada bom falar normalmente de dono ou posse de animais. E quanto a ser um criador  deles”? A palavra “criador” ainda parece menos intolerável que as outras duas, visto que há a criação (paternal) do bicho doméstico do mesmo jeito que a da criança/do adolescente humano, para seu sustento e sobrevivência pela tutela dos pais ou tutores. Acaba aí a semelhança, com o levantamento da diferença de que, para o humano, sua criação visa garantir que ele cresça e se torne um adulto íntegro e auto-sustentável, enquanto o animal será perpetuamente tutelado – o que desperta severas interrogações éticas por parte de adeptos da Libertação Animal, com as quais eu concordo.

Outro fator é que a “criação de animais” é freqüentemente vista como um equivalente zootécnico ao cultivo de vegetais. Ambos, muitas vezes, têm fins comerciais e produtivos de matéria-prima e isso, no caso animal, é uma severa transgressão de sua dignidade e de seu direito de viver, na linha da mercantilização da vida e do corpo do bicho com o rebaixamento de suas características espirituais (não falo no sentido de religião, mas no da presença de atributos psicológicos ou protopsicológicos). Sem falar que jamais dizemos “o criador de crianças”, nem que seja o dono de um orfanato ou o benfeitor de uma casa de crianças desamparadas. Daí, torna-se não-recomendável o uso da palavra “criador” para se referir a um responsável/tutor de animais. Já a palavra “criação” eu recomendo que seja usada junto a “paternal”: “criação paternal”, expressão já presente neste artigo.

Todos os fatores e evidências expostos mostram que é realmente inadequado chamar tutores de bichos de “donos” e sua tutela/guarda/criação paternal de “posse”. Caso seja um vício de expressão habitual, recomendo que você policie sua fala para que evite proferir essas palavras no tratamento de animais, do mesmo jeito que ex-cristãos tentam evitar expressões características de sua antiga religião. Pequenas mudanças na aplicação do vocabulário conseguem moldar detalhes importantes da própria visão da pessoa sobre o assunto da dignidade animal e tornam sua atitude mais racionalizada e coerente.

É com passos simples como essa substituição vocabular que, aos poucos, os próprios defensores dos bichos vão se livrando de antigos vícios e resquícios de especismo e de tratamento desigual entre o ser humano e o bicho e otimizando sua própria visão do valor natural e espiritual que os animais não-humanos, assim como os humanos, possuem plenamente. Jamais vai se alcançar um mundo de animais libertos e plenamente respeitados quando ainda há apologias, intencionais ou não, ao antigo status arrogado de “donos” e à posse/propriedade de bichos.


Relação Humano-Bicho - Cachorros.


Relação Humano-Bicho - Cachorros:  Dois vícios infelizmente ainda comuns entre defensores de animais e legisladores, sem falar da população como um todo, são considerar a tutela e responsabilidade de uma pessoa sobre seu bicho de estimação uma “posse” e chamar humanos que cuidam e tutelam animais domésticos de “donos”. Quem nunca falou ou ouviu expressões como “o dono desse cão…” ou “…em prol da posse responsável de animais”? É esse uso extremamente inadequado e vicioso, senão especista, dessas palavras que todos precisam repensar e abolir da relação entre os humanos e os animais não-humanos.

Há de se responder às perguntas: por que é inadequado dizer que um tutor de bichos de estimação é dono deles? Por que não é bom falar “o dono do bicho”? Por que não falar de posse de animais domésticos?

Em primeiro lugar, evoco a semântica denotativa, a que não tem sentido figurado (conotativo). As palavras “dono” e “posse” denotam propriedade. O dono de algo é proprietário desse mesmo algo. Quem tem posse tem propriedade sobre o objeto possuído. Seria ético dizer que temos propriedade sobre nossos bichos de estimação?

Para aumentar a minha objeção sobre o uso dessas palavras sobre a relação humano-bicho, invoco suas definições nos dicionários “Priberam/Texto Editores” e “Aurélio”. Mesmo que você contrarie dizendo que a língua portuguesa é flexível e não se prende às definições contidas em um dicionário, eu mostro-as com o propósito de apontar o sentido original dos vocábulos referidos.

Segundo o Priberam/Texto Editores:
DONO (do Lat. domnu por dominu, senhor): s. m., senhor de alguma coisa; proprietário; possuidor.
POSSE (do Lat. posse): s. f., retenção ou fruição de uma coisa ou direito; estado de quem possui ou frui uma coisa em seu poder; 
Jur., ação ou direito de possuir um título de propriedade; ato pelo qual alguém é investido ou investe outrem num direito, num cargo ou dignidade; (no pl.) haveres, bens, riqueza; (no pl.) aptidão, capacidade.

Segundo o Aurélio:
DONO: s.m. 1. Proprietário, senhor. 2. Chefe (de uma casa).
POSSE: s.f. 1. Detenção duma coisa com o fim de tirar dela qualquer utilidade econômica. 2. Investidura em cargo público, ou posto honorífico, etc., ou a respectiva solenidade.

Note que não há nessas atribuições originais as posições de guarda ou tutela, tutor ou responsável de animais. Isso dá razão aos argumentos que consideram posse de animais sendo sua relegação a bens, objetos de valor e de usufruto de seu proprietário, e dono sendo de fato um proprietário. E ambas as palavras convergem num sentido semântico: propriedade.

Pergunto então: é ético dizer-se proprietário de animais domésticos? É válido ter como propriedade, como meros bens de valor, seres dotados de sentimentos, personalidade, senciência, passibilidade ao sofrimento?

Você, possivelmente um defensor animal, dirá que fala “posse” no sentido de tutela, de criação paternal dos bichos, sem intencionar reduzi-los a propriedades. Mas então eu digo: você, que não tolera o especismo, iria se referir à guarda de uma criança órfã adotada como posse também? Você diria “Vamos garantir a posse responsável de crianças abandonadas”? Ou acha essa frase absurda? Se disser que opta pela segunda alternativa, está admitindo que ainda comete deslizes especistas apesar de sua filosofia de zelo ético pelos animais.

E, quanto à palavra “dono”, que infelizmente muitos defensores ainda usam, pergunto algo parecido: você chamaria o tutor, ou pai adotivo, de um jovem deficiente mental adotado em alguma casa de cuidados para deficientes mentais, sendo este incapaz de semear uma vida independente, de dono dele? Ué, esse jovem, independente de ter sentimentos, dor e protopersonalidade, tem prejudicada ou não tem a maioria das capacidades estritamente humanas de raciocínio pleno e cognição complexa, está num status similar ao de um animal não-humano como um gorila ou um cão.

Por que então os animais podem ter “dono” enquanto pessoas com capacidades parecidas com a de bichos não podem de jeito nenhum? Por que apenas humanos têm direito à dignidade de não poder ter dono ou ser posse?

Já sei: é a força do hábito, ou, em outras palavras, um vício de expressão habitual. É comum isso. Muitos ex-cristãos ou ex-teístas também são pegos no flagra lançando mão de palavras de uso vicioso. Vemos muitos ateus ainda proferindo interjeições religiosas como “Deus me livre!”, “Nossa!”, “Ave Maria!”, ou “Pelo amor de Deus!”. Estes sabem que essas expressões pegam mal, porque subvertem sua descrença e frequentemente são vistas por crentes, que as pegam no flagra, como demonstrações de que o ex-cristão não esqueceu seu antigo deus (ou santo), e isso é péssimo para quem as profere. Do mesmo jeito que essas pessoas tentam se livrar de seus vícios de expressão religiosa, os protetores dos animais devem também se policiar para evitar proferir essas palavras que não condizem com a dignidade dos animais.

Antes do próximo parágrafo, lanço aqui um comentário subjetivo: sabe que, quando falam de “posse responsável”, só consigo remeter minha imaginação à posse de armas? Armas sim são objetos passíveis de uma posse responsável. O usufruto irresponsável da propriedade delas gera muitos acidentes graves ou fatais e facilita seu roubo para uso em crimes, portanto, é necessária sua posse responsável. Sem falar que é impensável falar de posse de armas como sendo tutela, guarda ou criação paternal delas. Penso nessas horas: poxa, realmente soa muito mal falar de “posse” de animais, ainda que a palavra, acompanhada do adjetivo “responsável”, esteja se referindo a uma tutela bem-conduzida de bichos.

Voltando ao fluxo objetivo do artigo, vamos pensar em um assunto de certa forma pouco pensado: as crianças selvagens, abandonadas na selva e criadas por animais não-humanos. O site FeralChildren.com dá muitos exemplos sobre essas crianças e mostra que a maioria delas foi cuidada ao longo de sua infância (e juventude, em muitos casos) por lobos e primatas. Analisando as histórias, vemos que esses animais são mais éticos – mesmo que não tenham nenhuma noção de Ética – que o humano no tratamento da espécie “antagônica”. Ao menos no que se refere à não-arrogância do atributo de dono ou posseiro do ente adotado.

Nota-se que os lobos que adotaram meninos(as) como Kamala, Amala ou Djuma de forma alguma os(as) tratavam como se fossem donos seus ou como se estivessem em posse deles(as). Pergunto: você chamaria os cuidados quase paternais dados pelos bichos da selva às crianças de “posse responsável”? Note que a relação interespecífica lobos-meninos selvagens é quase a mesma que a relação humanos-bichos domésticos, com o diferencial de que o apego dos animais aos humaninhos adotados era muito mais próximo de um afeto paternal/maternal/familiar do que o daqueles que se dizem “donos” dos seus bichinhos a estes.

Epa, mas essa diferença não acontece sempre! Existem muitos casos em que os humanos se apegam numa relação também quase familiar com seus “meninos não-humanos”. Pergunto então, já para mostrar a invalidade da condição do uso dos dois termos: onde há um relacionamento de “posse responsável”? Nos cuidados “animais selvagens => crianças adotadas”? Na relação “humanos civilizados não-especistas => animais domésticos”? Nos dois? Ou em nenhum? A sua conclusão mostrará que não há lógica ético-filosófica na arrogância da posse ou do atributo de dono em nenhum sentido direcional da relação entre espécies de diferente condicionamento racional/proto-racional.

Isso, no entanto, não é respeitado por muitas pessoas, ora ignorantes ora realmente mal-encaradas na sua visão acerca dos animais não-humanos. Enquanto amantes verdadeiros destes últimos falam de “dono” ou “posse” apenas no costume/vício de expressão, gente como pecuaristas, vaqueiros, peões e comerciantes de pet-shops tratam, de fato, os bichos sob seus cuidados aplicando o sentido mais denotativo possível dessas duas palavras.

Levando ao pé da letra a arrogância de serem “donos” e terem “posse” de cães, gatos e pássaros engaiolados à venda ou cavalos, bois, porcos e outros animais explorados no meio rural, usam-nos para fins perniciosos, desde o acúmulo de propriedade e extração de matéria-prima — vide execução em massa nos matadouros para obtenção de produtos como carne e couro — até seu aproveitamento comercial e “cultural” pela sua coisificação e redução a brinquedos e mercadorias, como em rodeios, vaquejadas, exposições e leilões(!) de animais e pet-shops, violando gravemente a dignidade existencial dos não-humanos e repetindo os mesmos procedimentos abomináveis que foram muito praticados na época da livre escravidão humana.

Isso não é de fato uma consequência do uso zoo-específico das duas palavras, mas uma amostra do que se é capaz de fazer quando se tenta transplantar a aplicação delas, que deveria ser restrita a objetos e bens imóveis, à relação com os animais. Visto isso, a intolerância à sua aplicação nos bichos implicará a inadmissão dos meios de exploração animal. Isso não seria uma zoo-panaceia, mas um passo na evolução ética do tratamento de nossos irmãos de vida.

A esse ponto, você pode dizer: “Tudo bem, não é nada bom falar normalmente de dono ou posse de animais. E quanto a ser um criador  deles”? A palavra “criador” ainda parece menos intolerável que as outras duas, visto que há a criação (paternal) do bicho doméstico do mesmo jeito que a da criança/do adolescente humano, para seu sustento e sobrevivência pela tutela dos pais ou tutores. Acaba aí a semelhança, com o levantamento da diferença de que, para o humano, sua criação visa garantir que ele cresça e se torne um adulto íntegro e auto-sustentável, enquanto o animal será perpetuamente tutelado – o que desperta severas interrogações éticas por parte de adeptos da Libertação Animal, com as quais eu concordo.

Outro fator é que a “criação de animais” é freqüentemente vista como um equivalente zootécnico ao cultivo de vegetais. Ambos, muitas vezes, têm fins comerciais e produtivos de matéria-prima e isso, no caso animal, é uma severa transgressão de sua dignidade e de seu direito de viver, na linha da mercantilização da vida e do corpo do bicho com o rebaixamento de suas características espirituais (não falo no sentido de religião, mas no da presença de atributos psicológicos ou protopsicológicos). Sem falar que jamais dizemos “o criador de crianças”, nem que seja o dono de um orfanato ou o benfeitor de uma casa de crianças desamparadas. Daí, torna-se não-recomendável o uso da palavra “criador” para se referir a um responsável/tutor de animais. Já a palavra “criação” eu recomendo que seja usada junto a “paternal”: “criação paternal”, expressão já presente neste artigo.

Todos os fatores e evidências expostos mostram que é realmente inadequado chamar tutores de bichos de “donos” e sua tutela/guarda/criação paternal de “posse”. Caso seja um vício de expressão habitual, recomendo que você policie sua fala para que evite proferir essas palavras no tratamento de animais, do mesmo jeito que ex-cristãos tentam evitar expressões características de sua antiga religião. Pequenas mudanças na aplicação do vocabulário conseguem moldar detalhes importantes da própria visão da pessoa sobre o assunto da dignidade animal e tornam sua atitude mais racionalizada e coerente.

É com passos simples como essa substituição vocabular que, aos poucos, os próprios defensores dos bichos vão se livrando de antigos vícios e resquícios de especismo e de tratamento desigual entre o ser humano e o bicho e otimizando sua própria visão do valor natural e espiritual que os animais não-humanos, assim como os humanos, possuem plenamente. Jamais vai se alcançar um mundo de animais libertos e plenamente respeitados quando ainda há apologias, intencionais ou não, ao antigo status arrogado de “donos” e à posse/propriedade de bichos.


COMPARTILHE A POSTAGEM.

Visualizações de página do mês passado